Irvênia Prada
Recentemente, a mídia
brasileira ocupou-se de notícias sobre uma chimpanzé, de nome
Suíça, que foi mantida durante muitos anos em cativeiro, no
Zoológico de Salvador (BA). Gente sensível tentou um habeas
corpus, mas ela acabou morrendo, só e em depressão. Esse episódio,
como tantos outros similares, arrasta-nos a uma profunda reflexão!
Quantos outros macacos tripularam naves espaciais, foram
submetidos a testes automobilísticos de impacto, foram inoculados
com HIV ou tiveram seu cérebro exposto e irreversivelmente
danificado em experimentos macabros!
Temos o direito de dispor da vida e do bem-estar dos animais?
Podemos subjugá-los ao preço de sua dor e de seu sofrimento, sem
arcar com a responsabilidade de nossos atos? Conhecimentos
trazidos pela ciência acadêmica, e também encontrados na
literatura espírita, sustentam essa análise.
A ciência inclui os chimpanzés no grupo dos hominóides, os
primatas mais próximos do ser humano, em termos evolutivos, e
considera que somos, os hominóides e nós, galhos diferentes de uma
mesma árvore. Portanto, temos muito em comum. É o que já
encontramos em A Gênese (1868), de Allan Kardec, cap. XI, 15 –
Hipótese sobre a Origem do Corpo Humano: “Corpos de macacos teriam
sido muito adequados a servir de vestimentas aos primeiros
espíritos humanos, necessariamente pouco avançados, que vieram
encarnar-se na Terra...” No item 16, o conceito prossegue: “Como
não há transições bruscas na natureza, é provável que os primeiros
homens que apareceram sobre a Terra pouco diferissem do macaco em
sua forma exterior e, sem dúvida, também quanto à sua
inteligência.”
Em O Livro dos Espíritos, de Kardec, item 849, encontramos
ratificada essa possibilidade: “Qual é, no homem em estado
selvagem (no meu entendimento, Kardec refere-se ao homem
primitivo), a faculdade dominante: o instinto ou o
livre-arbítrio?” A resposta é incisiva: “O instinto...”
Na área da Genética, estudos recentes (Chuecco, F. – Quase
Humanos? Revista Newton – Tecnologia, Ciência e Vida – 2003)
evidenciam que a diferença entre o nosso genoma e o do chimpanzé é
de menos de 1%. Interessante é observar que Emmanuel, mais de 60
anos antes, no prefácio de Os Mensageiros (1944), de André Luiz,
ao anunciar modificações evolutivas dos seres humanos, em relação
aos chimpanzés, assevera: “A lei de herança continua com ligeiras
modificações.”
A inteligência dos chimpanzés e outros atributos de sua mente
foram evidenciados no trabalho do biólogo americano Roger Fouts (O
Parente Mais Próximo, 1998). Com Fouts, eles aprenderam a se
comunicar com a linguagem gestual, composta por mais de 150 sinais
e utilizada por deficientes auditivos.
Não é nova a constatação científica de que os chimpanzés têm
capacidade de autoconsciência (Gallup, Science, nº 167, 1970). O
autor dessa pesquisa comenta que “sem uma identidade própria,
seria impossível a alguém reconhecer-se” (no espelho). Mais antiga
ainda é a assertiva de Emmanuel, em Alvorada do Reino, a respeito
do assunto: “No reino animal, a consciência, à feição de
crisálida, movimenta-se em todos os tons do instinto, no reino da
inteligência, objetivando a conquista da razão, pelo
discernimento.”
Há quase três décadas, o astrônomo e biólogo Carl Sagan já
exarava, em Os Dragões do Éden: “Se os chimpanzés têm consciência,
se têm capacidade de abstração, não devem eles ter acesso àquilo
que se convencionou chamar até agora de direitos humanos? Que
inteligência terão de atingir até que seu assassínio seja
considerado crime?”
Ainda não bastaram, para a humanidade, todas as provas racionais
de que eles são nossos “parentes”, têm inteligência, são seres
sencientes! Para Carlos Brandt (A Superstição Médica, Ed. Natura,
Lisboa, Portugal, 1949), “o processo evolutivo do homem anda
atrasado porque não há luz em seu cérebro nem música em seu
coração que lhe permita seguir um facho luminoso chamado
compaixão”.
De fato! Será necessário adquirirmos a sensibilidade de um José do
Patrocínio (1854 – 1905), nosso respeitável abolicionista,
articulista do jornal A Notícia, no Rio de Janeiro: “Eu tenho
pelos animais um respeito egípcio. Penso que eles têm alma. Ainda
que rudimentar, e que eles sofrem conscientemente as revoltas da
injustiça humana...”
Então, teremos condições de absorver a recomendação do mentor
Alexandre, em Missionários da Luz: “A missão do superior é a de
amparar o inferior e educá-lo... Sem amor para com os inferiores
não podemos aguardar a proteção dos superiores.”
Somente assim, irá nos sensibilizar a figura do meigo Francisco de
Assis e o exemplo de Jesus, nascido em um estábulo, cercado de
animais, e alcançará definitivamente o nosso coração.
Irvênia Prada é médica
veterinária pela Universidade de São Paulo e professora titular em
Neuroanatomia na Faculdade de Medicina Veterinária da USP
|