Entrevista que a Rits (Rede de Informação
para o Terceiro Setor) mandou para a ONG Essência Vital através de
sua Rets (Revista do Terceiro Setor):
Há uma guerra não declarada dos homens contra os animais e pouco
esforço para evitar que ela continue. Se algo fosse feito, 58
bilhões de vidas poderiam ser poupadas todo ano. É o que diz o
ativista Tom Regan, autor do livro “Jaulas Vazias - Encarando o
Desafio dos Direitos Animais”. Regan é professor emérito de
filosofia da Universidade do Estado da Carolina do Norte, nos
Estados Unidos, e defensor ferrenho dos direitos dos animais. Esse
vegetariano com 30 anos de ativismo acredita numa idéia polêmica:
que a humanidade pode viver sem qualquer produto de origem animal.
“A dependência desses alimentos como fonte primária de nutrição é
muito prejudicial à nossa saúde”, diz.
Seu principal argumento, no entanto, não é médico, mas “social”.
Para ele, os bichos devem ter os mesmos direitos básicos que os
serem humanos possuem, como direito à vida, à integridade corporal
e à liberdade. Afinal, todos são animais. Por isso defende o fim
do uso de cobaias em experiências médicas e da matança de bichos
para alimentação, vestuário ou qualquer outra função que possam
desempenhar. “Devemos parar de transformá-los no que não são. No
fundo, os direitos dos animais formam uma filosofia abolicionista:
a exploração deve acabar”. Essa exploração, segundo ele, é a causa
da quantidade bilionária de mortes animais. Regan também é
favorável ao controle de natalidade de animais domésticos, pois
afirma que eles não têm propriamente uma vida, já que ficam presos
em casa, com pouco ou nenhum direito a lazer.
Nesta entrevista, o norte-americano, autor de vários livros sobre
o tema (“Jaulas Vazias”, o mais recente, acaba de ser lançado no
Brasil pela editora Lugano), indicado para o Prêmio Pulitzer de
jornalismo e para o Prêmio Nacional do Livro dos EUA, expõe seus
argumentos a favor da defesa dos direitos dos animais e diz sonhar
com um papel de liderança do Brasil nessa área.
Rets - Quando você começou sua atividade de ativista dos
direitos dos animais, podia imaginar como eles eram tratados?
Tom Regan - Durante metade da minha vida, não sabia a
verdadeira dimensão da guerra não declarada dos homens contra os
outros animais. Minha mulher e eu comíamos carne de todo tipo e
forma. Quando nossos filhos nasceram, os alimentávamos do mesmo
jeito. Íamos ao Burger King e ao McDonalds, a circos,
zoológicos... e fazíamos isso mesmo tendo gatos e cachorros como
“parte da família”. Considerávamos outros animais como galhos e
pedras. Nossos olhos estavam cegos, assim como nossos ouvidos
estavam surdos. Não podíamos imaginar a tragédia que é o
tratamento dedicado aos animais. Na época não tínhamos nenhuma
(ou, no máximo, tínhamos muito pouca) consciência animal.
Rets - Defender os direitos dos animais é diferente de
defender seu bem-estar?
Tom Regan - Na teoria, a defesa do bem-estar diz: “vamos
tratar os animais com a maior decência, compaixão e humanidade
possível, mesmo que os transformemos em comida, roupas ou
ferramentas, por exemplo”. Na melhor das hipóteses, o bem-estar
animal é uma filosofia reformista: os humanos continuam a explorar
os animais, mas o fazem “corretamente”.
É uma perspectiva bem diferente da que defendo: direitos dos
animais. Nela acreditamos que não devemos transformar bichos em
comida, roupa ou em ferramentas. Devemos parar de transformá-los
no que não são. No fundo, os direitos dos animais são uma
filosofia abolicionista: a exploração deve acabar, seja lá o quão
“aceitável” ela for.
Rets - A morte de animais para alimentação humana é uma
forma de exploração e, portanto, deve ser combatida?
Tom Regan - Sim, é algo que deve ser abolido. Nós, humanos,
não precisamos comer carcaça animal – ou qualquer derivado, como
ovos e manteiga. Essas fontes de nutrientes não são necessárias
para a sobrevivência humana, sua saúde, vitalidade ou longevidade.
Na verdade, a dependência desses alimentos como fonte primária de
nutrição é muito prejudicial a nossa saúde e vitalidade, e por aí
vai. Sendo assim, o ponto moral central permanece: criar e
sacrificar animais por comida viola seus direitos e, de uma
perspectiva de defesa dos direitos dos animais, deveria cessar –
cada pessoa a seu tempo, se chegarmos a isso.
Rets - Você é totalmente contra o uso de animais em
pesquisas. Mas isso não é necessário em alguns casos? Como testar
uma vacina, por exemplo, sem submeter seres humanos aos riscos?
Tom Regan - A resposta dos direitos dos animais é a mesma:
não devemos transformar animais em ferramentas experimentais.
Moralmente, é algo errado, deveria acabar. “Mas”, muitas pessoas
dizem, “isso não significa que os humanos seriam privados de
vacinas e outros medicamentos vitais”? Eu encorajo as pessoas que
lerem essa entrevista, seja lá o que pensem sobre os direitos dos
animais, a ir ao Google e fazer uma pesquisa. Por exemplo: digite
“monkeys and drug research” (macacos e pesquisa de medicamentos).
As pessoas vão descobrir que uma droga que quase matou voluntários
humanos foi dada a macacos sem ao menos apresentarem efeitos
colaterais. Em outras palavras, aprendemos que remédios que são
absolutamente seguros quando dados a animais, mesmo “parentes
próximos” como os macacos, podem ser letais quando ministrados a
humanos.
Então eu pergunto: por que devemos confiar em testes de vacina
feitos com animais? Minha resposta é simples: não devemos confiar
neles. Acontece que muitas pessoas estão ganhando dinheiro
convencendo muitos de nós que “precisamos” de pesquisas com
animais. Não há racionalidade científica para esse tipo de
pesquisa. A racionalidade é o dinheiro.
Rets - Em São Paulo, há um bom tempo, o movimento de defesa
dos direitos dos animais tenta implementar políticas de
esterilização de animais abandonados, em vez de matá-los com
injeção letal, que é o método utilizado pela prefeitura. Você é
favorável ao controle da população animal?
Tom Regan - Animais de estimação (e me refiro a gatos e
cachorros em particular) são colocados entre dois mundos. Por um
lado, não pertencem à vida selvagem. Pense na hipótese de colocar
um poodle num bloco de gelo e dizer: “Boa sorte! Espero que você
consiga viver!”. Isso seria cruel e inumano.
Mas imagine o mesmo cão em um pequeno apartamento. Que tipo de
vida é essa? Minha resposta é: não é bem uma vida. Se temos
animais de estimação, temos uma pesada obrigação de assegurar que
eles tenham uma vida rica, cheia de exercício ao ar livre e
diversão – horas de lazer por dia. Estamos prontos para a tarefa?
Apenas poucos de nós. Até o dia amanhecer com todos prontos, temos
a função de limitar o número de animais que vêm a um mundo que não
os recebe bem.
Então, sem dúvida, devemos limitar o número de animais sob
responsabilidade humana, mesmo que isso signifique retirar seus
ovários.
Rets - Para algumas pessoas, é difícil perceber que os
outros têm direitos iguais. Há quem se considere superior por
causa de religião, etnia ou cultura. A humanidade está pronta para
assimilar que os animais têm os mesmos direitos dos seres humanos?
Tom Regan - Eu nunca diria que outros animais têm todos os
mesmos direitos que os humanos. Pegue direitos como voto, casar e
divorciar, praticar religião de escolha própria ou ter acesso a
educação de qualidade. Creio que todos os humanos têm esses
direitos, mas outros animais não possuem nenhum deles.
Os direitos que dividimos com eles são básicos. Direito à vida,
liberdade e integridade corporal são três deles. Ainda mais
fundamental é nosso direito a ser tratado com respeito, o que
significa que nossos bens mais importantes (nossa vida, liberdade
e integridade corporal) nunca devem ser sacrificados em nome do
benefício de outros. Esses são direitos centrais para o movimento
de defesa dos direitos dos animais.
A humanidade está “pronta para assimilar” essas idéias? A reposta
honesta é: alguns de nós, sim; muitos, não. É para este segundo
grupo que escrevi meu livro Empty Cages ["Jaulas Vazias -
Encarando o Desafio dos Direitos Animais"]. Pertenci a esse grupo
por mais da metade da minha vida. Logo tenho uma grande afinidade
com as pessoas que não acreditam em direitos dos animais.
Por meio do livro, quero ter uma conversa, não um confronto, com
elas. Sei que o tipo de mudança do qual estamos falando demanda
tempo e paciência. Tudo que posso tentar fazer – todos podemos – é
criar uma oportunidade para outras pessoas darem um passo em
direção aos direitos dos animais. Só um passo. Estou convencido de
que se as pessoas derem o primeiro passo, será impossível não dar
o segundo, o terceiro, e daí por diante. Se uma quantidade
suficiente de pessoas começar a se mover nessa direção, aí sim a
humanidade estará “pronta para assimilar” os direitos dos animais.
Rets - Muitas pessoas dizem que não ligam para os direitos
dos animais enquanto crianças morrem de fome na África, por
exemplo. Com que freqüência você enfrenta esse argumento e o que
pensa dele?
Tom Regan - Minha experiência tem sido ver que as pessoas
que usam esse argumento não estão fazendo nada para ajudar as
crianças que estão morrendo na África. Não fazem nada para ajudar
ou ao menos fazer desse mundo um lugar melhor pra viver. Em outras
palavras, essas pessoas não passam de hipócritas.
Ainda assim, acredito que a melhor resposta para essa questão é a
mais óbvia: as pessoas podem fazer ambos os esforços. Deixe-me ser
mais específico: as pessoas podem parar de comer carne animal,
parar de vestir pele e lã, de ir a zoológicos, parques aquáticos,
rodeios e corridas de cachorro e também trabalhar para ajudar as
crianças africanas. As escolhas morais que enfrentamos não são
"se" e "ou": "se" ajudamos as crianças "ou" trabalhamos pelos
direitos dos animais. As escolhas são "ambas" e "e": trabalhamos
tanto para crianças quanto para os animais.
Rets - Quais são as maiores dificuldades e fraquezas dos
movimentos de defesa dos direitos dos animais?
Tom Regan - Nosso problema fundamental é que somos poucos.
A não ser ou até que nossos números aumentem dramaticamente, vamos
ter pouco poder de influência sobre o que é feito aos animais.
Novamente, serei mais específico: se 2% da população
norte-americana é vegetariana, então bilhões de animais (10
bilhões nos Estados Unidos e 58 bilhões no mundo) continuarão a
ser mortos todo ano. Precisamos aumentar nossos números em 30 ou
40 vezes para ter um impacto forte. Pondo em panos limpos, nosso
maior desafio é o crescimento.
Rets - Você sabe em que medida os brasileiros estão
preocupados com os animais, levando em conta que temos uma grande
biodiversidade?
Tom Regan - A publicação de Empty Cages em português foi
meu primeiro contato com seu país. Por isso não tenho muita base
para responder sua pergunta. Mas permita-me dizer que as pessoas
que estou conhecendo, principalmente via email, me impressionaram
pela profundidade de seu conhecimento e comprometimento. Estou
ansioso para aprender mais quando minha esposa e eu visitarmos seu
país em agosto, para o Congresso Vegetariano [de 4 a 8 de agosto
em São Paulo].
Tudo que aprendi até agora me dá esperanças de ver o Brasil tendo
um papel de liderança na causa da verdadeira libertação animal.
Gandhi uma vez disse que você pode julgar o caráter de uma nação
pela forma como ela trata seus animais. Todos os brasileiros,
assim como meus queridos cidadãos dos Estados Unidos, fariam muito
bem em acreditar nessa simples verdade. |