11/07/2006
Autor(a): Maurício Thuswohl
Fonte: Envolverde/Agência Carta Maior
O caçador Leonardo Marques foi absolvido por júri popular, pelo
placar de 6 a 1. Júri alegou insuficiência de provas, apesar da
confissão e de a arma do crime ter sido encontrada na casa do réu.
Movimentos sociais exigem anulação do julgamento e reabertura do
processo
RIO DE JANEIRO –
Apenas uma semana
depois de a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) em
Brasília ter determinado a soltura de um dos acusados pelo
assassinato da missionária Dorothy Stang, a libertação do provável
responsável pela morte de um outro ambientalista, dessa vez no Rio
de Janeiro, aumenta a sensação de impunidade em relação a esse
tipo de crime e já começa a assustar os militantes dos movimentos
sociais. Assassino confesso do ambientalista Dionísio Júlio
Ribeiro Júnior, conhecido como Seu Júlio, o caçador Leonardo de
Carvalho Marques foi solto e, segundo testemunhas, já voltou a
morar nas proximidades da Reserva Biológica do Tinguá (Nova
Iguaçu, Baixada Fluminense), local onde Seu Júlio militava e foi
assassinado.
Preso dois dias após o crime, Marques passou mais de um ano na
cadeia à espera do julgamento. Mesmo tendo confessado ser o autor
do tiro de espingarda que matou Seu Júlio, o caçador foi absolvido
por júri popular, pelo placar de 6 a 1, no dia 20 de junho. A
decisão, segundo o júri, baseou-se na insuficiência de provas,
apesar de a arma do crime ter sido encontrada na casa de Marques.
Além disso, a defesa sustentou que o réu havia assinado sua
confissão sob tortura, argumento que parece ter sensibilizado os
jurados. O veredicto, no entanto, é considerado suspeito pelas
organizações socioambientalistas que acompanham o caso. Todos
lembram do ano passado quando, ao ter uma crise nervosa no momento
em que foi autuado e soube que permaneceria longo tempo na cadeia,
Marques chegou a afirmar, na frente de várias testemunhas, que
haviam “garantido” a ele “que não ficaria tanto tempo preso”.
Diversas organizações dos movimentos sociais acham que, depois da
surpreendente absolvição de Marques, suas afirmações devem ser
mais bem investigadas. Por acreditarem que houve irregularidades
na condução do processo, estão exigindo sua anulação e a
realização de um outro julgamento. A organização Defensores
Ambientais do Gericinó-Mendanha-Tinguá (DAMGEMT), fundada após o
assassinato de Seu Júlio, organizou no dia 4 de julho, em frente
ao Fórum de Nova Iguaçu, uma manifestação de repúdio à libertação
de Marques que contou com a participação de diversas outras
entidades socioambientalistas da região.
Além da exigência da abertura de um novo processo, as ONGs querem
que as investigações saiam da Delegacia da Posse, em Nova Iguaçu,
e passe a ser considerada prioridade pela Secretaria Estadual de
Segurança Púbica e pela Polícia Federal. Os manifestantes também
pediram que observadores internacionais da área de direitos
humanos da ONU e da OEA sejam chamados para acompanhar o novo
processo.Um abaixo-assinado exigindo novas investigações foi
entregue ao presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro,
Sérgio Cavalieri Filho.
Outra preocupação das ONGs é garantir proteção policial aos demais
ambientalistas da região do Tinguá que já foram ameaçados de
morte. Uma lista com os nomes de 14 ambientalistas ameaçados foi
encaminhada ao Tribunal de Justiça e também à Secretaria de
Segurança Pública. Essa mesma lista já havia sido entregue, em
março do ano passado, ao então secretário Marcelo Itagiba, agora
licenciado para concorrer a uma vaga de deputado federal: “Ele
recebeu a lista, mas, desde então, não tomou nenhuma providência”,
afirma o ambientalista Sérgio Ricardo de Lima, um dos fundadores
da DAMGEMT.
Itagiba, aliás, é um dos principais alvos da revolta do movimento
socioambientalista por não ter, segundo Sérgio Ricardo, cumprido a
promessa de tirar as investigações de Nova Iguaçu e levá-las para
a cúpula da secretaria: “Queremos novas investigações e que elas
sejam conduzidas em outro lugar. A Delegacia da Posse, apinhada de
processos e sem estrutura, não tem condições”, resume o
ambientalista. Outra promessa não cumprida, segundo Sérgio
Ricardo, é a construção de um posto do Batalhão da Polícia
Florestal e do Meio Ambiente dentro da Reserva do Tinguá: “A
presença da polícia militar é fundamental, pois a estrutura do
Ibama para coibir a ação de caçadores e outros criminosos
ambientais na região é pequena e não vai mudar tão cedo. Além
disso, os fiscais do Ibama não andam armados, ao contrário dos
caçadores, que podem responder a tiros”, diz.
DEPOIS DA PRISÃO, A FESTA
No último fim-de-semana, os moradores das proximidades da Reserva
do Tinguá organizaram uma grande confraternização, com forró e
comidas típicas das festas juninas. Foi a primeira vez que
Leonardo Marques foi visto em público após sair da prisão. Segundo
testemunhas, ele parecia feliz, bebendo muito e falando alto na
companhia de amigos. Enquanto isso, de acordo com essas mesmas
testemunhas, alguns dos 14 nomes que constam na lista de
ambientalistas ameaçados entregue às autoridades permaneceram
trancados em suas casas, com medo de comparecer à festa e se
transformar em alvo da violência dos caçadores “animados” com a
soltura de Marques.
“Estamos nos sentindo acuados. Tem gente que se tranca em casa
como se estivesse numa jaula”, lamenta Sérgio Ricardo de Lima. Um
dos mais experientes ambientalistas do Rio de Janeiro, Sérgio
Ricardo vê essa onda de violência contra os militantes do setor
como um dos momentos mais tristes que já enfrentou: “A ecologia
atualmente desperta interesse social e a participação da população
é crescente. No entanto, se a impunidade aos agressores de
ambientalistas começar a virar rotina, as pessoas passarão a ficar
com medo de defender o meio ambiente”, diz. Ele sabe do que está
falando, afinal um levantamento feito pelas próprias organizações
apontou uma diminuição de 40% na presença das pessoas nas
atividades ambientais realizadas no Tinguá desde a morte de Seu
Júlio.
À QUEIMA-ROUPA
Seu Júlio foi assassinado na noite de 22 de fevereiro de 2005,
quando caminhava por uma trilha a cerca de 200 metros de uma das
entradas da reserva. Ele havia acabado de participar de uma
reunião na sede da Associação de Moradores de Tinguá e voltava
para casa quando foi perseguido e alvejado, pelas costas, com um
tiro de espingarda calibre 28 na cabeça. Quando foi preso,
Leonardo Marques afirmou que cometera o crime porque estava
enfurecido com o ambientalista que, segundo ele, dias antes havia
indicado sua casa para policiais que apreenderam suas armas. Após
sua prisão, a polícia admitiu que o assassinato de Seu Júlio
poderia ter sido tramado por pessoas ou grupos que se sentiam
prejudicados pela sua militância em defesa da reserva que, além da
caça ilegal, sofre com a ação dos palmiteiros, com o desmatamento
e com a extração ilegal de areia.
Criada em 1989 e espalhada por quase 28 mil hectares que alcançam
os municípios de Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Japeri, Petrópolis,
Miguel Pereira e Paty do Alferes, a Reserva Biológica do Tinguá é
considerada um paraíso ecológico e foi reconhecida na década
passada como patrimônio da humanidade pela Unesco. Além de possuir
recursos hídricos que são responsáveis por 80% do abastecimento de
água da Baixada Fluminense, a reserva abriga fauna e flora
riquíssimas. Em suas matas, situadas a pouco mais de 50
quilômetros da cidade do Rio de Janeiro, são encontrados desde
mamíferos de grande porte como a onça-parda e o macaco-prego até
animais como o sapo-pulga, considerado o menor anfíbio do planeta.
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