Jornal de Santa Catarina
Blumenau, 01 de março de 2006.
Segurança
'Há turista que vem conhecer a farra do boi'
Entrevista: Valdir Walendowsky, Diretor de Marketing da Santur
RICARDO RUAS
O fato de a turista paulista Rosemary Aparecida da Silva, 32 anos,
ter voltado ontem para casa decepcionada com o Estado - depois de
ser vítima da farra do boi, na Praia Central de Itapema - não deve
prejudicar o turismo catarinense. Esta é a impressão do diretor de
Marketing da Santur, Valdir Walendowsky, cujo pensamento é de que
a tradição faz parte da demanda de turistas em território local. O
responsável pela divulgação de Santa Catarina pelo mundo acredita
que parte dos visitantes vem até mesmo para conhecer o ritual,
antes realizado às vésperas da Páscoa. De uns tempos para cá,
passou a fazer parte de toda a Quaresma e cada vez mais é
antecipado.
Tanto que, no sábado de Carnaval, a turista foi ferida por um boi
em Itapema. No Estado, a tradição foi introduzida pelos açorianos
há mais de dois séculos. Seria a reencenação da Paixão de Jesus,
onde o boi representaria Judas, o traidor. Outros acreditam ainda
que o animal represente o demônio e, torturando o diabo, expiam os
pecados.
Walendowsky confirma que há ações governamentais para coibir a
prática, mas entende que não deveria ser extinta de vez, porque
daí sim o turismo pode ser comprometido.
Jornal de Santa Catarina - Na condição de divulgador do Turismo em
Santa Catarina, o senhor também acredita que o episódio do final
de semana mancha a imagem do Estado lá fora?
Valdir Walendowsky - Eu não vejo como uma pessoa machucada possa
sujar a imagem de Santa Catarina. Tem roteiros turísticos, hoje,
na Espanha, onde vai todo mundo para as ruas correr de 30 bois e
algumas pessoas chegam a morrer. Mesmo assim, no ano seguinte, tem
mais visitantes. Aquilo é uma tradição, como é em território
catarinense.
Santa - Mas o senhor não acha que quem procura a Espanha durante
estas
festas, vai até lá para isso, ao contrário de quem vem a Santa
Catarina e acaba sendo vítima involuntária?
Walendowsky - É como um acidente. Você vai para uma estrada e de
repente bate o carro. Foi uma questão involuntária. Você também
vai dizer que foi passear e um veículo te pegou, ou o avião
caiu.... então eu não vejo
como um acidente possa contribuir para prejudicar o turismo. Eu
acho que o
nosso Estado tem tanto para oferecer, tem tanta beleza, que,
particularmente, não vejo como manchar a imagem em função de um
problema como este. É uma opinião que dou como representante da
Santur. Tem a ver com a forma sobre como pensamos, praticamos e
batalhamos para vender o nosso Estado.
Santa - De qualquer forma, há indicações governamentais para
coibir a prática, que é proibida por lei?
Walendowsky - Isso é notório, a Polícia Militar está em cima,
principalmente
dos focos, nos lugares em que a farra é tradicional. Existe um
grupamento especial, infiltrado, para identificar estas atividades
e coibir, mas é natural que não dê para colocar um policial em
cada local em que há um boi.
É como o caso dos assaltos aos turistas argentinos. De que maneira
a PM vai colocar um soldado ao lado de cada família argentina?
Você não sabe de onde irá sair o boi, então este é o problema. E
como é algo que não se pode fazer, mais as pessoas querem
praticar.
Santa - Então, qual a seria a alternativa de controle?
Walendowsky - Não devemos olhar este caso isolado como um fato
negativo. É a força da tradição, como o Carnaval. Tem mulher
pelada, tem turismo sexual, mas fica sem fazer Carnaval para ver
como isto vai refletir. No meu ponto de vista, a farra deveria ser
realizada em locais fechados, para, ao menos, evitar que haja
problemas como a desta turista paulista.
Santa - O turismo então está sabendo lidar com estas
eventualidades?
Walendowsky - Sim, e hoje posso dizer que, cada vez mais, dentro
do nosso trabalho, temos procurado melhorar a qualidade do turismo
local. É como uma indústria e estamos tentando desenvolver novas
formas de rendimento. Isso é normal em qualquer lugar do mundo.
Estamos cada vez mais tentando agradar quem vem para cá. Creio que
temos muitos produtos para oferecer e a cultura também faz parte.
A farra do boi faz parte do lado das etnias, dos colonizadores de
Santa Catarina.
Santa - O senhor acredita então que algumas pessoas venham
justamente
para conhecer a farra do boi?
Walendowsky - Com certeza. Isso é tradicional e muita gente vem
para conhecer o lado étnico, que é um dos trunfos de Santa
Catarina. Hoje (ontem) desembarcou no aeroporto de Florianópolis
uma delegação de 37 poloneses que veio direto ao Estado, sem
passar por São Paulo, Rio de Janeiro ou Bahia. Vieram interessados
no lado cultural, na colonização, porque têm ligação com Santa
Catarina. E isso a gente tem que preservar já que é um grande
diferencial que carregamos. Não há comparação com São Paulo que
tem todas as etnias do mundo, mas não na colonização. Somos o
único Estado colonizado por 23 etnias, isso é único no Brasil. Por
isso as pessoas vêm e por isso a Europa é tão visitada, é tão
famosa. Perder isso e viver só do mar é perigoso. Por isso
divulgamos a tradição em cada canto do Estado.
Santa - Fazem isso para quebrar a sazonalidade?
Walendowsky - Para completar a questão do turismo. Então, a
questão da farra do boi tem que cuidar, mas também não dá para
cercar todos os bois e não fazer mais nada. A história não pode se
perder, de jeito nenhum. Quem lida com turismo sabe. É o mesmo que
perder a colonização inca no Peru. É algo que tem que seguir
paralelo, porque a História e a cultura são muito importantes.
Pode ter certeza que isso faz parte da venda de roteiros de
turismo de Santa Catarina.
ricardo.ruas@santa.com.br
Entenda o caso
- Na madrugada de domingo, um grupo de turistas de Sorocaba (SP)
curtia o Carnaval num quiosque da Praia Central de Itapema quando
foi surpreendido por um boi solto na orla.
- Todos correram, e a assessora comercial Rosemary Aparecida da
Silva, 32
anos, acabou atingida. O animal escorregou, caiu sobre suas pernas
e atingiu o tornozelo dela com o chifre.
- Cheia de hematomas, com fortes dores pelo corpo, precisou ser
atendida logo após a ocorrência. Ainda voltou ao hospital na tarde
de segunda-feira.
Ontem, retornou para a terra natal na mesma excursão com que veio
a Santa Catarina, formada por 45 pessoas. Todas seguiram viagem
com uma má impressão da tradição cultuada em solo catarinense.
- O boi utilizado na farra registrada em Itapema foi levado por um
cidadão que tinha um caminhão de transporte de animais, autorizado
pela Polícia Militar. A Cidasc foi avisada do acontecido, porém,
afirmou ter como função apenas a destinação final do bicho, caso
ele seja apreendido sendo transportado sem a Guia de Transporte
Animal (GTA). |
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